Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de março, 2025

A Tese dos Evangelhos Anônimos

Uma das afirmações mais comuns entre estudiosos críticos do Novo Testamento é a de que os quatro Evangelhos foram originalmente escritos de forma anônima , sem autoria atribuída. Segundo essa tese, os nomes "Mateus", "Marcos", "Lucas" e "João" teriam sido adicionados apenas no final do século II, como forma de dar autoridade a esses textos. A tese é frequentemente usada para sustentar o argumento segundo o qual os Evangelhos não foram escritos por testemunhas oculares da vida de Cristo, e, portanto, não narram o que de fato aconteceu.  Críticos que sustentam esta tese alegam que os Evangelhos são apenas compilações de lendas a respeito de Jesus, feitos por autores desconhecidos.  Em outras palavras, tal teoria é frequentemente usada como argumento para minar a autoridade dos Evangelhos. Contudo, ela padece de sérios problemas, que veremos ao longo deste artigo. Imagem do Papiro 4, contendo o Evangelho de Lucas. É a cópia mais antiga dos evangel...

O problema do "Jesus Histórico"

Desde os tempos apostólicos, Jesus de Nazaré era tido como o Cristo, o Filho de Deus. Tal afirmação nunca foi contestada de forma significativa no Ocidente até a ascensão, cada vez maior, das filosofias racionalistas. Muitos passaram, então, a questionar a historicidade dos relatos bíblicos, buscando reconstruir um "Jesus histórico" que fosse desvinculado da fé. Essa busca percorreu três grandes fases ao longo da história, conhecidas como as três buscas pelo Jesus histórico. Imagem de Cristo presente nas catacumbas de Comodila. Uma das mais antigas representações de Jesus. As Três Grandes "Buscas" pelo Jesus Histórico Desde o Iluminismo, diversos estudiosos tentaram reconstruir a figura de Jesus sem depender da teologia cristã. Essa busca passou por três grandes fases: 1. A Primeira Busca (século XVIII – XIX)    No contexto iluminista e racionalista dos séculos XVIII e XIX, vários estudiosos ocidentais passaram a investigar Jesus de Nazaré com ceticismo q...

Segunda Via: Da causa eficiente à causa primeira

1. Enunciado da questão Santo Tomás propõe esta prova na Summa Theologiae , I, q. 2, a. 3, como a segunda via para demonstrar a existência de Deus , fundada na noção de causa eficiente , isto é, aquilo que produz o ser de outro. “Secunda via est ex ratione causae efficientis.” ( A segunda via é segundo a razão da causa eficiente. ) 2. Esquema Lógico da Segunda Via I. Premissas metafísicas A segunda via se baseia em três princípios metafísicos fundamentais: Princípio de causalidade: Todo ente contingente (isto é, que não é necessário) exige uma causa eficiente para sua existência. Nada é causa eficiente de si mesmo: Pois isso implicaria que seria anterior a si mesmo, o que é absurdo. Impossibilidade de regressão infinita em causas eficientes per se : Uma série infinita privaria a atualidade causal, e nada existiria agora. Anjos cantando; quadro de Jan Van Eyck. O cantor é causa eficiente de sua própria voz, em um tipo de causalidade que chamamos  per se  ou es...

A Primeira Via: Prova da Existência de Deus a partir do Movimento

I. Introdução geral às cinco vias Santo Tomás, ao tratar da existência de Deus na Summa Theologiae , I, q. 2, a. 3, propõe cinco vias ( quinque viae ) como caminhos a posteriori que partem dos efeitos sensíveis do mundo para chegar à conclusão da existência de um primeiro princípio, pessoal e inteligente, a que todos chamam Deus ( Deum omnes dicunt ). A primeira via é, talvez, a mais fundamental e paradigmática, pois: Se baseia na experiência sensível universal e imediata; Depende de princípios metafísicos primeiros (ato e potência); Fundamenta analogicamente as demais vias. "A Criação do Mundo", quadro de Ivan Aivarovsky II. Enunciado da primeira via (texto original) Prima via est sumpta ex parte motus. Certum est enim, et sensu constat, aliqua moveri in hoc mundo. Omne autem quod movetur, ab alio movetur... Ergo est aliquid movens non motum; et hoc dicunt omnes Deum. ( STh , I, q. 2, a. 3) Traduzindo: A primeira via se toma do movimento. É certo, e eviden...

Virtus Essendi: O Ser intensivo em Santo Tomás e Pseudo-Dionísio

O filósofo Fran O'Rourke, em seu trabalho  Virtus Essendi: Intensive Being in Pseudo-Dionisius and Aquinas,  investiga a noção de virtus essendi , ou seja, a potência e intensidade do ser, dentro do pensamento de Santo Tomás e de autores neoplatônicos, com particular atenção à influência de Pseudo-Dionísio. Há uma boa analogia entre os vitrais de uma igreja e o conceito de Virtus Essendi. Exploraremos esta analogia ao final deste artigo. Na foto: interior da Sainte Chapelle de Paris. A obra examina a concepção metafísica do ser ( esse ) como algo que pode ser compreendido em termos de intensidade e gradação, ao invés de um mero ato uniforme. Esse conceito deriva do pensamento neoplatônico e tem repercussões fundamentais para a teologia e a metafísica cristã. O Pseudo-Dionísio, em particular, influencia essa visão ao conceber o ser como algo que flui hierarquicamente a partir de Deus, de maneira intensiva, e não apenas extensiva. O'Rourke argumenta que a concepção de um virtu...